domingo, 23 de março de 2008

Including but not limited to

Fazer lei não é fácil. Não estou falando dos aspectos exteriores da atividade do legislador (chamada de atividade legiferante), como a semana curta de trabalho, as verbas para viagens, moradia, terno etc. Visto sob esse prisma, o ofício do legislador parece bem fácil. Estou me referindo à custosa tarefa de transformar em um comando escrito a vontade do verdadeiro criador da lei - o povo. Transformar abstração em concretude, significado em significante (em uma talvez inadequada referência às teorias de Saussure). Como retratar em poucas linhas um mundo de aspirações? Como traduzir toda a necessidade abstrata de ordem em regras escritas e precisas? Por certo é tarefa impossível.

Diante dessa limitação, escolhe o legislador aqueles assuntos considerados mais importantes, mais urgentes à sociedade. Ainda assim, é humanamente impossível prever acuradamente todas as situações merecedoras de figurar na norma escrita. Nesse caso, o legislador elege alguns exemplos do que está sendo protegido na lei, deixando a cargo do "leitor" complementar o rol com opções similares. O legislador oferece os parâmetros, as balizas, os exemplos, e nós completamos as lacunas. Dispositivos de lei criados sob essa técnica são chamados no meio jurídico de rol exemplificativo, ou numerus apertus.

Por outro lado, ciente da possibilidade e do perigo de ter o texto legal interpretado de forma ampla, dada exatamente a impossibilidade de prever todas as situações passíveis de inclusão na lei, pode o legislador (ou o juiz, ao interpretar a lei, fique registrado) expressa ou tacitamente limitar a sua extensão. Assim, restringe o legislador "aquela lei àqueles casos, e somente a eles". Isso é chamado de rol taxativo, ou numerus clausus.

Mas como reconhecer um rol taxativo e um rol exemplificativo na lei?

Na maioria dos casos, a identificação de um rol taxativo ou exemplificativo fica a cargo do intérprete da lei, muitas vezes o juiz. Assim, somente quando o caso chega ao Judiciário é que saberemos se um rol é numerus apertus ou numerus clausus.

No entanto,
existe uma técnica de redação para estabelecer expressamente que um rol é exemplificativo, comportando, então, complemento. Vejamos o exemplo abaixo, transcrição do art. 22 da Lei 11.340, que trata das medidas de prevenção e punição à violência doméstica, conhecida como Lei Maria da Penha (grifo meu):

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência,
entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Podemos perceber que o legislador, ao inserir a expressão "entre outras", quis dizer que o juiz poderá adotar aquelas medidas listadas nos incisos (indicados pelos numerais romanos) - o parâmetro, a base - mas que ele não estará limitado a apenas elas - é um rol exemplificativo. Se o magistrado considerar que outra medida igualmente trará os resultados que o legislador espera com as medidas que previu ao criar a lei, poderá adotá-las. Dessa forma, aquelas medidas estão incluídas na lista de soluções desejadas, mas esta não é limitada aquelas.

Ring any bell?

Aposto que a esta altura vocês já fizeram a ponte com o indefectível including but not limited to, presente em qualquer disclaimer que se preze. Pois o espírito da expressão inglesa é esse mesmo: listar algumas situações a título exemplificativo, deixando claro que a exoneração de responsabilidade não se limita aos casos mencionados. Uma pequena amostra:

You expressly understand and agree that XXX shall not be liable for any direct, indirect, incidental, special, consequential or exemplary damages, including but not limited to, damages for loss of profits, goodwill, use, data or other intangible losses (even if sath has been advised of the possibility of such damages).

Ou seja, aqueles danos listados após a expressão grifada em azul são exemplos de danos pelos quais a empresa não responderá (a validade dessa cláusula no Brasil é assunto para outro post), mas fica claro que a não-responsabilização não se resumirá aquelas hipóteses.

Assim, concluo opinando que a expressão including but not limited to tem grandes chances de ser corretamente traduzida como entre outros(as) na maioria dos textos jurídicos. É claro, uma boa análise do contexto é crucial, como sempre.

[]s






2 comentários:

Unknown disse...

Renata,

Você acertou na mosca. É como que traduzo, exceto que uso o "dentro outros" ou "a título exemplificativo" e outras fórmulas mais comuns em terras tupiniquins.

Parabéns pela explicação do tema.

Unknown disse...

Olá!
Estou fazendo um contrato de desfile na Italia, e fui informada que o mesmo necessitaria de ua traduçao, atraves de um tradutor juridico, o que tem me deixado muito em duvida sobre a validaçao do contrato.
Como esta é a primeira vez que me deparo nesta situaçao tudo fica mais complexo.
ostaria de obter mais infrmaçoes como proceder nesta situaçao.

Att. LISYANE ARIZE